
Gualtallary, o que há de especial por ali? 3x3259
Mendoza e malbec são temas bem entendidos pelo consumidor de vinho. Mas como arriscar um mergulho mais profundo? Falar em Gualtallary, por exemplo, o que se sabe e o que se espera dos vinhos de lá? 164cy
"Gualtallary é um ser diferente do que estamos acostumados a ver nos vinhos de Mendoza, apesar de estar em Mendoza”, diz o enólogo Pepe Morales, da jovem vinícola Huentala, cujas bases estão fincadas em Gualtallary, como se pode imaginar.
A primeira e mais didática explicação para entender que Gualtallary é que a microzona está dentro do vale de Uco, que por sua vez, está dentro de Mendoza. É como a visão de uma lente com três níveis de zoom. Neste nível mais microscópico, Gualtallary é uma parte de Uco, mais exatamente na porção mais elevada e próxima da cordilheira dos Andes, em condições extremas de clima e temperatura.
Em uma linguagem geek, há uma escala de temperaturas chamada Winkler. Enquanto Mendoza de forma geral está entre os níveis IV e V (mais quentes), Gualtallary está entre os níveis I e III Winkler (clima próximo de Champagne, Alsácia e Chablis).
Pepe Morales, enólogo da Huentala: “O vinho é como uma visão de uma estrela, o que vemos hoje é uma imagem do ado”
E porque só agora “descobriram” Gualtallary? As explicações são múltiplas. A primeira questão é geográfica. No vale do Uco, diferentemente de Luján de Cuyo (seu vizinho de macrorregião, e ambos dentro de Mendoza) a pré-cordilheira tem um aclive gradual, que permite o cultivo das vinhas. Ainda assim, embora a composição do subsolo seja interessante para o cultivo das videiras, repleto de calcário, cascalho e pouca argila, faltava um precioso recurso: a água. Os canais de irrigação tão conhecidos que podemos ver andando pela cidade de Mendoza não abastecem Gualtallary e o caminho até hoje é depender dos poços artesianos (também regulado pelo governo local).
“É importante ressaltar o papel da família Catena em Gualtallary. Foram os primeiros a implantar a irrigação por gotejamento nesta zona onde a água é muito escassa. Isto permitiu que muitos novos projetos surgissem e o nome de Gualtallary ou a ganhar força pela personalidade de seus vinhos”, comentou Pepe Morales, da vinícola Huentala. Ainda assim, Gualtallary tem mais de 20.000 ha. de extensão territorial, porém apenas 10% disto estão cobertos por vinhedos - e não há muito mais recursos (hídricos) para ir além disso.
Outro fator, e mais polêmico, é a possível mudança climática. Em altitudes que podem chegar a 1.700 metros, o risco de geadas é grande, colocando o trabalho de um ano inteiro em risco. Neste caso, uma dose a mais de aquecimento do clima facilitou a vida para cultivar vinhedos. Neste sentido, Pepe Morales faz uma reflexão: “Temos ao menos três interpretações para falar de aquecimento climático: o primeiro é que faz parte dos ciclos de aquecimento e resfriamento do planeta e agora estamos em um pico de calor; o segundo é que há uma adaptação e domínio técnico para cultivar em zonas de clima mais frio, junto com a demanda do mercado pelo estilo de vinho produzido nestas condições; e a terceira é que de fato há um impacto da intervenção do homem na natureza e nos força a buscar alternativas para seguir na atividade vitivinícola”.
Pablo Álvarez, o “senhor" Vega-Sicilia: "A maior mudança climática foi um fenômeno chamado Robert Parker”
Ainda mais polêmico, e casualmente na mesma semana, Pablo Álvarez, o “senhor" Vega-Sicilia, maior símbolo do vinho espanhol, esteve em São Paulo e a respeito do tema de mudança climática comentou: “a maior mudança climática que vi no universo do vinho nas última décadas foi um fenômeno chamado Robert Parker”, explicando que muitas vinícolas e vinhos mudaram seus perfis para agradar o gosto do influente crítico, que tinha predileção por vinhos cheios, concentrados, com fruta madura e manifesta presença do carvalho na vinificação. Um ponto a ser considerado e de alguém com muito lastro no mundo do vinho.
Retornando a Huentala, o projeto nasceu em 2010, com a plantação de 90 ha. de malbec em um território virgem de Gualtallary. “O vinho é como uma visão de uma estrela, o que vemos hoje é uma imagem do ado”, diz Morales para explicar que hoje são 100 hectares plantados e parte da malbec já foi reconvertida para cabernet franc, chardonnay e outras cepas. “E estamos plantando mais 50 hectares para chegar ao nosso máximo, 150 ha., na propriedade de 230 ha.”. No geral, os vinhos de Gualtallary são mais austeros e selvagens, o que significa taninos mais firmes e com certa "secura", aromas mais florais que de frutas maduras, níveis mais elevados de acidez e sabores salgados nos vinhos.
A degustação dos vinhos de Huentala, começou com dois chardonnays, Grand Sombrero chardonnay 2023 (91 pontos - cerca de R$ 160, na MiVino) e Isabel Estate chardonnay 2023 (93 pontos - cerca de R$ 360, na MiVino). Em comum, as notas florais com ótima acidez e leve sabor salgado, marcas de Gualtallary de forma geral. O primeiro, uma proposta mais simples, tem o foco na fruta (pera, maçã e lima), enquanto Isabel Estate traz textura fluída, mais toques minerais (talco) e leve amendoado. Entre os tintos, provamos o Gran Sombrero cabernet franc 2022 (91 pontos - cerca de R$ 160, na MiVino), que também busca uvas em Altamira, Chacayes e Vista Flores, afinal, como diz o dito popular não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta - rico em especiarias (canela, pimenta rosa e páprica), quente, salino e firme estrutura de taninos. O Huentala Isabel Estate Cofermented blend 2022 (92 pontos - cerca de R$ 360, na MiVino) é uma mescla de malbec e cabernet franc (60/40) cujas uvas são fermentadas juntas, o que garante maior integração e um estilo de vinho mais contido e menos exuberante, o que ressalta a valiosa textura dos taninos, muito finos, com polimento e quantidade exemplares. A fruta negra, as flores do campo, o toque salino e as especiarias da madeira estão presentes e em boa harmonia. Para fechar dois rótulos que mostram o trabalho de mapeamento e fracionamento do vinhedo, seguindo o perfil do solo e geografia, resultado do trabalho do especialista Guillermo Corona. Degustamos primeiro o Huentala Block 3 malbec 2021 (92 pontos - cerca de R$ 700, na MiVino). Aqui se sobe um ou dois degraus na extração da fruta, com um nariz que remete a um Porto, da família Ruby, claro - o que se traduz em fruta negra bastante madura e concentrada, violeta e cacau no nariz - felizmente seguido uma boca com ótimo frescor e salinidade, que tira o peso do vinho. Há concentração, mas sem cansar o paladar. E fechamos com o Huentala Calizo Albar malbec 2021 (93 pontos - cerca de R$ 1.000, na MiVino). Aqui os extremos de Gualtallary se mostram sem timidez. Espere por boa mescla de sabores ácido-salgado, com boa fluidez, mesmo com os taninos firmes e sólidos, há frescor para manter a austeridade sob medida. No quesito aromas, as notas florais estão no primeiro plano (violeta e flores do campo), com ameixa e jabuticaba na boca e final com coco e baunilha da agem por barricas sas; afinal são 24 meses em barricas novas.